quinta-feira, 10 de março de 2011

A lenda do frio






O frio forte era a ênfase que faltava aos seus sapatos reforçados. Como que pronto para uma expedição, Pedro entra na sala dizendo:
-Janaína, vem aqui fora.
-Mas está frio, meu bem. E fora da casa têm sapos e cobras; sem falar no gado do curral em frente que me amedronta horrores.
-Mas Jan, já te disse que o gado é manso; e os sapos e cobras, pode deixar por minha conta.
-Meu amor, eu tenho medo, você sabe.
E fingindo não insistir mais no assunto, ele entra calmo na sala do chalé em que eles moravam intencionando um abraço apertado. Ela, receptiva à qualquer carinho de seu namorado, abre os braços para ele, que a toma de assalto em seus braços mudando rapidamente o tom de sua voz:
-Há, agora você não me escapa, vamos lá para fora.
-Não, Pê; me solta.
Era uma brincadeira deles, e ela ria-se enquanto fingia um medo manhoso e debatia suas pernas nos braços do rapaz.
-Está vendo, querida, não resta medo algum para você; já é noite e o gado dorme, as cobras preocupam-se em comer os sapos e estes, só querem saber dos insetos. Ninguém aqui está preocupado conosco.
-Mas, mas, mas... É, você está certo. -retrucou Janaína com aquele sorriso sem graça de quem fazia manha e foi contrariada.
-Vê lá em cima? Aquelas luzes são parte da Via Láctea.
-Nossa que lindo. Da cidade não podemos vê-las. O céu aqui é de beleza exímia.
-E você queria ficar dentro de casa vendo televisão e perder esse espetáculo.
Abraçados, eles aqueciam-se enquanto contemplavam o céu negro e brilhante repleto de estrelas. Eram swings de seus corpos, muzaks de seus corações que batiam fortes, perfumes, que de suas nucas pareciam encher a alma do melhor sentimento sinestésico já provado. Era tudo perfeito até o momento em que um beijo veio para mostrar que suas almas já não pertenciam apenas à si, mas ambos pertenciam, já, um ao outro e a todo o universo aos seus arredores; eram, ali, parte de um todo muito maior, e eles eram maiores, maiores e mais, sempre mais.
-Eu te amo - e essa frase saiu quase muda da boca de Pedro.
-Eu também te amo.
Foi uma primeira vez que ele ouvia isso da boca de Janaína; e foi bonito, esplêndido e tantos adjetivos positivos quantos existam. Aquela melíflua voz dela que falava, num tom brando, coisas sobre os mistérios da vida e do universo, agora recitava as palavras que mudaram todo o homem em si.

E mudam.