quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Televisão (um delírio sem a menor graça)








Tagarela feito ela só, minha Televisão calou-me com uns três argumentos sobre minha dificuldade em organizar as idéias.

Eu, sem metodologia alguma para uma contraposição, senti-me acuado à quina da sala de estar.

"Você não está ouvindo direito?", "Seu nariz está feio!", "Assista ao nosso programa", e tantas outras bobagens, que saíam em forma de projéteis, atingiam meu peito em cheio. Com os pensamentos em frangalhos, pluguei-me a escudos utriculares; mas estes - os supostos à minha proteção - nunca me deram ouvidos, consumiram, sim, os velhos capilares que vibravam sonidos; consumido fui, até a exaustão e surdez, por refrãos que nem eu entendia, apenas repetia com uma ância exaustiva de... De quê mesmo?

Repeti; e repeti como um louco, as ordens de não parar de dançar, de tirar o pé do chão. Repetido, cansei de entender; bebi, pois, para não lembrar, não quis lembrar.

E, ao procurar abrigo na ebriedade estática de palavras grafadas há séculos, ainda encontro resistência - talvez seja o homem do tempo me lembrando a chuva de amanhã que nunca virá.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Questão de tempo





Quando ele chegara, havia perdido uma parte importante do espetáculo.

- Começou há muito, o espetáculo?
- Nobre Trevor, britânico em seus horários, como sempre!
- Não me venha com ironias, Charlene. Demorei-me apenas por culpa do trânsito.

Srrhhh! Foi assim que um grupo de árabes, dispostos na fileira atrás, calou o velho forçando contra seu assento.
Seu emprego como Ministro conferira as duas cadeiras nas melhores posições do Théatre Imperiale de Compiègne; dava para ver a Primeira Ministra russa há poucos metros, três filas atrás estava um famoso escritor de romances italianos, uma milionária, herdeira do tesouro de seu pai, sentara-se perto, também. Entre Shakes do petróleo e famosos bem sucedidos. Lá!

(continua)

domingo, 21 de novembro de 2010

A Ressaca (descrevendo a felicidade)






Ressaca diária vem quando o acordar é mais brando, quando as lembranças suscitam sorrisos, apenas. E vem; vem com o seu caminhar suave sobre a areia.

Saídas do mar, madeixas molhadas contorcem-se para deixar a água cair. Contorcem-se me contorcendo em vontade de possuir todo o momento.

Pego em contemplação, finjo não observar seus olhares que dissimulam a sedução e o sarcasmo. E ela provoca, instiga, alimenta; dá toda a corda de que necessito para enrolar-me.

Enrolado, emaranhado, envergonhado; o astuto lobo, preso em limalhas invisíveis, deitado feito cordeiro manso à pastar.

É, a ressaca pode ser a melhor parte do todo. E acaba por ser, em mim.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Descrição





Ela era feita da cor de azul. Azul porque as cores do mar lhe caíam muito bem. Era suave, suntuosa, sensual e, para ser sincero, a letra "S", em si, já descrevia bem as curvas de su'alma - curvas acentuadas por uma silhueta brasileira serelepe.

Articulada, tomava-se por mulher ao deixar a praia e penetrar nas vilas litorâneas. Fazia-se nativa-estrangeira, perdida por entre casas e barracos. Era discreta ao mesmo passo que chamava atenção. Os cabelos negros, contrastados com sua pele vermelho-jambo, faziam ferver os olhares de todas as direções; e seu caminhar seguro produzia movimentos e formas intrigantes.

- Se é Manjar, ach'um tanto difícil.
- Perarê sa si mãos trêmulas me agarrarem.
- Mulato Xião já viu tamanha formosura?
- Forma usura, sá peco se ela me olhar.

Provocante, sabia o tipo de reação que provocava nos homens e mulheres; era além; era quem?

Era muito. E ainda mais que meu tão pouco prosear.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nem dô preço, nem dá prece





Mergulhe, pois, na sobriedade que te aguça os sentidos. Faça, corra, não se abstenha dos erros culpando os outros, o tempo ou as circunstâncias. E, ao encontrar o primeiro obstáculo, transponha-o sem a pressa de ultrapassar a efemeridade das coisas; nada é tão efêmero quanto os sentimentos (de qualquer cunho que sejam); aproveite-os, então.

"Quando foi medo, tremi como cão de rua acuado; ao amar, doei-me até só restarem as partes feias de meu ser; minhas alegrias ainda são de sopapo e duram a infinidade de um instante fugaz; se é para ir longe, distante, nada disso fica para trás." (Henrique Macêdo em Diários da Terra Média).

E se ainda faltar algo, buscá-lo-ei por entre os sete mares de meu ser, os quatro desertos de minh'alma, as vinte florestas impenetráveis de minhas vidas passadas e futuras; ou buscarei em ti, nos outros, nas coisas. Busco; como bom caçador que nasci!


Nota de rodapé:
Uma situação inenarrável é aquela onde podemos passar vidas discutindo-a, mas somente haverá entendimento pelas pessoas que a viveram. Narrar uma situação inenarrável é descrever minha vida em textos, poesias, e frases; é contar que meu descaso com o resto do mundo é díspar desde que me propus este caminho de buscas incansáveis; é dizer que as bailarinas e atrizes são diferentes entre si sem nunca terem te conhecido.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Parabéns para você!



É verdade se eu digo que, em mim, o teu cheiro emana fortemente. E não há explicação para tal, uma vez que não te vejo há mais de dois dias. Longos dois dias... Longas teses e teorias sobre um passado escondido, um beijo perdido, ou um abraço lembrado.

E dizer que me enriqueço em charmes e chantagens mendigando tua atenção, já não é exagero. Sou, sim, carente do teu afago em meus cachos, de tuas fitas e teus amassos; sou carente de caminhos, dependente dos teus passos.

Assim sendo, assumi meu pequeno tamanho diante de teus olhos profundos; profundos como os longínquos mares que ocultam segredos, segredos que afugentam meus medos, que me fazem selvagem.

Sim, eu, fera bandida e traiçoeira, capturado de jeito maneira, me ardo por entre teus ares; donde sopram plumas e penas fagotas, donde a chuva já não cai em gotas, donde brilho por entre teus calcanhares.

E continuo seguindo adiante no caminho de tuas mãos; de teu sorriso radiante.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Vestindo ouro e poeira


As cores te caíam como reflexos de um arco-íris delicado; e tua boca, muito mais bonita quando apertada na sinestesia provocada.

- Linda, linda, linda! - o palhaço gritava com seu instrumento, desafinado, em mãos. Ela ria e aplaudia - era malabarista, equilibrista, ilusionista e dominadora de outras tantas habilidades exclusivas.

Domava leões e centauros com sua simpatia simples. Um sorriso que, em muito, lembra a brisa morna do mar em fim de tarde; um olhar de criança travessa; a voz suave como os movimentos de seu swing azul. Assim foi a tarde de sábado; sábado de música, amor e poesia. Poesia espontânea que brotava de todos os lados; amor oriundo do reconhecimento em sorrisos e coincidências; música embaladora de abraços, brincadeiras e expressões faciais.

Tudo grande demais para caber em palavras ou gestos, ainda que infinitos.

Por uma tarde inteira as brincadeiras eram assim, pintávamos nossas expressões com alegria e travessura.

- Estou ficando bonito?
- Me divirto contigo assim pintado.
- Ah, tá bom, dessa vez você tem a moral de fazer os desenhos em mim; mas aviso que pintar-te-ei depois.
- Quero só ver como, a maquiagem acabou.
- Eu estou avisando...

Diversão em pó e pincel... E as fitas coloridas que não se podem esquecer.